Ouçamos Barclay:
Tiatira não tinha nenhum significado religioso especial. Não era centro da adoração de César nem havia nela templos gregos de algum significado especial. Seu deus local era o herói militar Tirimno, que aparece nas moedas antigas montando a cavalo e armado com uma tocha e um pau. A única coisa fora do comum com relação a Tiatira, do ponto de vista religioso, era que nela funcionava um santuário de adivinhação (oráculo), presidido por uma sacerdotisa conhecida com o título de Sambate. A Igreja de Tiatira não enfrentava um perigo especial de perseguições.
Sabemos, a partir de inscrições que se encontraram, que Tiatira era a sede de várias guildas* de comércio importantes. Estas guildas eram uniões ou sindicatos de pessoas que trabalhavam num mesmo ramo da indústria ou o comércio e tinham objetivos tanto de mútua proteção e benefício como de tipo social e recreativo. Em Tiatira havia guildas de operários da lã, do couro, do linho e do bronze, de modistas, de tintureiros, de oleiros, de padeiros e de traficantes de escravos. Por este lado, devia encontrar-se o problema da Igreja em Tiatira.
Negar-se a integrar uma dessas guildas devia ser, naquela época como negar-se a integrar o sindicato do ofício em que a pessoa trabalha. Significaria, supomos, perder toda esperança de prosperar no comércio ou na indústria. Que razões podia ter um cristão para negar-se a fazer parte da guilda que correspondia a seu ofício?
Havia duas características das guildas que podiam resultar inconvenientes para os cristãos. Em primeiro lugar celebravam periodicamente banquetes. Estes banquetes, como era habitual, tinham lugar nos templos pagãos. Mesmo se fossem feitos numa casa particular, iniciavam-se e concluíam com algum tipo de ato religioso formal, e a carne que se consumia neles era sempre carne que tinha sido sacrificada aos ídolos. Podia um cristão participar de uma comida com estas características? Em segundo lugar, estes banquetes eram, em geral, ocasião para atos licenciosos e bebedeiras. Podia um cristão estar presente em celebrações sociais deste tipo?
Este era o problema de Tiatira. Não havia ameaça de perseguição; o perigo estava dentro da Igreja. Na Igreja havia cristãos que se perguntavam por que um crente não podia pertencer à guilda de seu ofício, e por que devia sacrificar seus interesses comerciais ao negar-se a fazer parte do sindicato que lhe correspondia. Os que se perguntavam estas coisas muito possivelmente argumentassem que o cristão era sempre defendido pelo Espírito Santo e pela presença de Cristo, e que precisamente por isso não fazia nada mau ao participar nas celebrações sociais convocadas pelas guildas. Em outras palavras, em Tiatira havia um movimento bastante forte, presidido por uma mulher que no Apocalipse se chama Jezabel, que sustentava a necessidade de entrar em compromissos com o mundo e com as normas de moralidade mundanas, a fim de não arriscar o êxito dos negócios e a prosperidade material. A resposta do Cristo ressuscitado é inequívoca. O cristão não pode ter nada a ver com tais coisas.
A conclusão necessária pareceria ser a seguinte: Na superfície, a Igreja em Tiatira parecia forte e florescente. Qualquer estranho que a visitasse ficaria impressionado por sua vitalidade e energia, por sua aparente liberalidade e por sua paciência. Entretanto, havia algo essencial que lhe faltava: em seu coração mesmo havia uma fissura. Aqui temos uma advertência. Uma Igreja cheia de gente, um verdadeiro favo de energia, uma dínamo de atividade, não é necessariamente uma verdadeira Igreja. É muito fácil encher de gente uma Igreja quando os fiéis vêm para ser entretidos e não para ser instruídos, para ser tranqüilizados e justificados em vez de ser desafiados, confrontados com a realidade de seus pecados e com a oferta da salvação. Uma Igreja pode chegar a estar cheia de energia. Pode ser que essa Igreja não descanse em suas múltiplas atividades, mas nessa abundância de energia, entretanto, pode ter perdido o centro de sua vida. Em vez de ser uma congregação cristã conseguiu converter-se num clube bem-sucedido. A situação da Igreja em Tiatira deve nos levar a pensar.
guilda - sf (fr guilde) Associação de mutualidade formada na Idade Média entre as corporações de operários, negociantes ou artistas. Fonte: Michaelis On-Line.
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